quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Orelha de Ilícito absoluto e pré-venda do livro

Escrevi a orelha do livro; aproveito para lembrar que ele está em pré-venda na Editora Patuá:  https://www.editorapatua.com.br/ilicito-absoluto-a-familia-almeida-teles-o-coronel-c-a-brilhante-ustra-e-a-tortura-ensaios-de-padua-fernandes/p




Em 1972, em plena ditadura militar, uma família inteira foi levada para o DOI-Codi de São Paulo: duas crianças de 4 e 5 anos (Edson e Janaína de Almeida Teles), os pais (Maria Amélia de Almeida Teles e César Augusto Teles) e a tia (Criméia Alice Schmidt de Almeida), que estava grávida de sete meses. Os adultos integravam o PCdoB, partido que estava proibido. As crianças foram levadas para vê-los na prisão. A mãe disse que nunca esqueceu a pergunta da filha: “por que você está azul e o pai, verde?”. Criméia foi torturada grávida, mas conseguiu ter seu filho, João Carlos, presa.

Em 2005, a família propôs um processo contra o antigo chefe do DOI-Codi, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, para que fosse declarada a relação jurídica entre eles e o réu por prática de tortura. Em 2008, os pais e a tia ganharam em primeira instância: o juiz considerou que o DOI-Codi era uma “casa de horrores” onde se praticavam “ilícitos absolutos”.

O réu acumulou derrotas judiciais: no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e, pouco depois de falecer, no Supremo Tribunal Federal.

Enquanto a ação se desenrolava, a Lei de Anistia foi contestada judicialmente pela OAB, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia, criaram-se diversas comissões da verdade no país e o réu, postumamente, foi homenageado na votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff por um deputado que chegaria à Presidência da República poucos anos mais tarde.

Como este processo pioneiro pôde obter êxito em um país ainda marcado pela impunidade dos crimes de lesa-humanidade e pela ingerência política dos militares? Ilícito absoluto conta essa história, que serviu de precedente para outras ações que tentam responsabilizar agentes da ditadura.




segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Memória social e Ecléa Bosi

Em 11 de novembro de 2023, em São Paulo, ocorrerá o relançamento de um clássico da psicologia social: Memória e sociedade: lembranças de velhos. Nele falarão Maria Amélia de Almeida Teles (a Amelinha), Fabio Weintraub, Luciana Araújo, Paulo de Salles Oliveira, com mediação do historiador Tiago Bosi, neto da autora, falecida em 2017. O evento ocorrerá na Livraria Simples, que fica na Rua Rocha, 416, a partir das 16 horas.


Trata-se de um livro seminal sobre memória social. Não por acaso, estará presente Maria Amélia de Almeida Teles (o cartaz escreve errado seu último sobrenome), esta grande militante de memória, verdade e justiça.
Menciono o lançamento aqui porque esta é uma das obras citadas em Ilícito Absoluto. Além do livro, cito um artigo em que ela revista a pesquisa que fez em Memória e sociedade; ele está no trecho mais recuado, entre dois parágrafos que escrevi:

A própria noção do “nunca mais” a respeito da ditadura pressupõe a memória social: nunca mais o quê? O que se deseja conhecer para evitar? Trata-se das graves violações de direitos humanos, e o próprio direito de conhecê-las possui a natureza de um direito humano. Dessa forma, as concepções autoritárias de sociedade não só querem negar a matéria daquela memória, mas o próprio direito de reivindicá-la. Para elas, o esquecimento, sem dúvida, tem um papel político fundamental, que confirma, a contrario sensu, a dimensão social da memória. Cita-se novamente Ecléa Bosi:

[...]
No caso da recordação de acontecimentos políticos que escutei (revoluções, crises, figuras notáveis…) essa fusão ou aglutinação de lembranças factuais e valores ideológicos está muito presente. Estudei longamente como a lembrança se corporifica levando em conta a localização de classes e a profissão do sujeito. Nesse contexto, a marginalidade política a que se relegam os estratos pobres da população é causadora do espantoso vazio memorativo do brasileiro.

O problema da “marginalidade política” visto por Bosi persiste, porém hoje modificado pelo negacionismo histórico que fundamenta as “formações ideológicas” (emprego a expressão da autora) autoritárias, que lograram êxitos eleitorais nos últimos anos com bandeiras como a “intervenção militar” e a volta do AI-5 para a “restauração” da “democracia”.

Questão atual, não? O artigo de Bosi tem como título "A pesquisa em memória social", publicado pela Psicologia USP em 1993.





quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Fernando Vilela e a capa de Ilícito absoluto


O artista e escritor Fernando Vilela abriu a exposição "Enquanto isso" na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, no final de 2018. Ele a filmou; podem-se ver neste breve vídeo os óleos sobre papel e os livros trancafiados, representando a censura: https://www.youtube.com/watch?v=1vKiJLTmpt8 . 

Pode-se ler o texto que ele mesmo escreveu sobre as obras, bem como o de Sílvia Nogueira de Carvalho sobre a exposição, no sítio dos Psicanalistas pela Democracia: https://psicanalisedemocracia.com.br/2019/04/enquanto-isso-por-fernando-vilela/

Segundo o próprio artista, as obras (imagens de tortura e de execuções, bem como livros trancafiados em caixas de ferro) foram inspiradas por fatos biográficos: a prisão política de boa parte de sua família, inclusive da mãe enquanto estava grávida dele.

Eu falei sobre a exposição na Mário de Andrade. Destaquei a presença dos instrumentos de música ao lado das representações de armas e lembrei do uso de música nas sessões de tortura, de acordo com os casos presentes no relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Uma vez que a tortura é um dos temas do livro, era talvez inevitável pensar nestas obras para a capa. O artista concordou, para minha sorte; desta forma, foi escolhida a capa.

O projeto gráfico é de Alessandro Romio, que já tinha trabalhado em meu O desvio das gentes, livro de 2019.