terça-feira, 9 de maio de 2023

Golpe de Estado, comissões da verdade e este projeto

A decisão por escrever este projeto foi tomada pela excepcionalidade do caso: como tantos já escreveram, trata-se do "único caso em que um dos agentes da repressão foi considerado torturados pelo Estado brasileiro" em processo judicial no Brasil.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue à Presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2014, traz uma lista de 377 autores de graves violações de direitos humanos, que corresponde a um reconhecimento político pelo Estado brasileiro desses ilícitos, mas não judicial: a CNV, como geralmente ocorre com esse tipo de órgão, não tinha competência jurisdicional.
Carlos Alberto Brilhante Ustra foi incluído entre aqueles autores de graves violações. Porém, antes disso, o processo da Família Teles tinha sido instaurado no Judiciário, em 2005. A condenação ocorreu em primeira instância em 2008 e foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012. Recursos de Brilhante Ustra ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal foram posteriormente negados.
A figura do Brilhante Ustra, além de seu destaque no sistema de repressão da ditadura segundo a CNV, outras comissões da verdade e movimentos de memória, verdade e justiça, ganhou mais relevância política pelo fato de o então deputado federal Jair Bolsonaro ter dedicado seu voto pela abertura do impeachment de Dilma Rousseff ao Coronel da reserva. Poucos anos depois, já na presidência da república, Bolsonaro voltou a declarar que tinha uma obra assinada por Brilhante Ustra sobre a ditadura como "livro de cabeceira".
Na votação de abertura do impeachment, um golpe parlamentar, Ustra já havia morrido: ele estava internado por causa de câncer e faleceu em outubro de 2015. O voto-homenagem de Jair Bolsonaro ocorreu em 17 de abril de 2016.
Naquela ocasião, escrevi que "o trauma de 1964 não passou", referindo-me aos ecos do golpe que derrubou o presidente João Goulart.
A homenagem, há apenas sete anos, a um dos personagens notórios da ditadura de 1964 e, depois, a tomada do poder pelo homenageador e pela instituição que o escolheu (e que já tinha governado o país depois da derrubada de João Goulart), bem como a recentíssima tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 pelos bolsonaristas, com a presença e o estímulo de militares, parecem realmente confirmar que aquele trauma permanece.
Por conseguinte, o projeto parece-me ainda mais relevante, em termos políticos, neste momento do que quando o elaborei, no ano passado.